A VERDADE DO EVANGELHO

MEMÓRIAS DE CHARLES G. FINNEY

por Charles G. Finney

CAPÍTULO IV

 

EDUCAÇÃO DOUTRINÁRIA E OUTRAS EXPERIENCIAS EM ADAMS

 

Pouco tempo depois de me haver convertido, tive a oportunidade de ter uma longa conversa com o meu pastor sobre a questão da reconciliação. Ele era um género de estudante típico de Princeton e tinha uma visão muito limitada sobre essa grande questão. Dizia ele que tal coisa apenas seria possível para os que achava escolhidos. A nossa conversa durou cerca de meio-dia. Ele defendia que Cristo sofreu a penalidade literal da lei divina no lugar dos eleitos e escolhidos; que Ele sofreu apenas aquilo que seria justo e exigido pela justiça retributiva. Eu objectava que tal coisa seria um absurdo, porque se tal fosse justiça retributiva, ele haveria de sofrer eternamente e distributivamente pela quantidade de eleitos que existissem. Disse-me que era verdade. Ele disse-me que Cristo de facto pagara literalmente a dívida dos eleitos e supriu a exigência da justiça divina. Mas naquele tempo, meu parecer seria de que o sacrifício de Cristo apenas satisfazia justiça humana e que tal coisa seria a única que o governo moral de Deus exigiria.

Eu era uma criança na questão da teologia. Era novato na religião e no estudo da Bíblia. Mas acreditava que ele, o meu pastor, não substanciava a sua visão doutrinária naquilo que a Bíblia dizia, o que lhe transmiti frontalmente. Pessoalmente nunca havia lido nada sobre o assunto e toda a minha opinião baseava-se apenas naquilo que eu então entendia da leitura da Bíblia, do mesmo modo que entenderia os meus livros de direito penal. Eu cria piamente que ele se baseava numa teoria daquilo que uma certa corrente pensava e deduzia o que seria a reconciliação de Cristo. Eu nunca o ouvira pregar sobre aquelas posições que ali substanciou diante de mim. Estava surpreendido com as suas posições doutrinárias e oponha-me às mesmas o mais e melhor que podia.

Ele estava alarmado, ouso dizer, sobre aquilo que ele pensava ser uma obstinação e teimosia da minha parte, apenas. Eu pensava que a Bíblia me ensinava que a reconciliação do sacrifício de Cristo se relacionava com a humanidade inteira. Ele limitava a salvação a algumas pessoas escolhidas. Obviamente que não poderia nunca aceitar tais posições, pois via claramente que ele não tinha como substanciar tais coisas a partir da Bíblia. As suas muitas regras de interpretação de verdades colidiam com a minha visão das coisas. As posições dele eram muito menos inteligentes que a inteligência revelada naqueles livros de direito, nos quais depunha grande admiração. A todas as minhas objecções, ele não me apresentava coisas inteligíveis do ponto de vista Bíblico. Perguntei-lhe se a Bíblia não requeria que se ouvisse o evangelho antes de haver arrependimento, antes de haver qualquer fé, antes da salvação mesmo. Ele apenas dizia e afirmava que as pessoas só necessitavam crer para serem salvas, ao que eu argumentava que se alguém não ouvisse não tinha como vir a crer. Ele debateu todo o parecer dele entre as escolas novas e velhas de doutrina corrente da altura, sobre a reconciliação, tanto quanto meus estudos teológicos mais tarde me fizeram entender dele. Eu até ali nunca havia lido uma página, da qual me recorde, sobre esse assunto com excepção de tudo aquilo que lera da Bíblia. Também nunca ouvi um único sermão sobre esse assunto.

Mas, esta discussão, sobre estes assuntos, duraria pelo tempo de toda a minha formação teológica futura sob sua tutela. Ele mostrou receio de que estaria eminente da minha parte uma aceitação da fé ortodoxa. Creio realmente que ele tinha a plena certeza de que me havia convertido de facto, mas senti desde logo que o seu desejo seria manter-me dentro da sua escola típica da teologia de Princeton. Ele imprimiu que teria de vir a ser ministro formado, ou Deus nunca iria abençoar meus labores, que o Espírito Santo nunca iria derramar Sua bênção sobre obra minha, nem dar qualquer testemunho pela palavra de qualquer das minhas pregações, a menos que pregasse a verdade, mas como ministro. Também era essa a minha opinião pessoal. Mas os argumentos que ele usaria para me convencer a estudar teologia, não eram os mais apropriados. Ele informara-me nesta conversa que ele nunca havia sido usado como instrumento na conversão dum simples pecador a Deus. Nunca o havia ouvido pregar sobre arrependimento e reconciliação, ou a causar uma reconciliação entre Deus e homem. Achei que ele temia as pessoas, de os provocar ao zelo por Deus. Nem mesmo a sua igreja conhecia as suas posições limitadas que tinha sobre a reconciliação. Mesmo depois desse dia, tivemos ainda oportunidade de debater variadíssimas posições teológicas, as quais terei oportunidade de discutir e distinguir mais adiante.

Disse manifestamente que os membros da sua igreja começaram a decair em zelos pela causa de Jesus. Isto oprimiu-me em demasia, tal como o faria com outros recém-convertidos em Adams duma maneira geral. Recordo-me de haver lido um certo artigo num jornal intitulado "Um avivamento Reavivado". A substância desse artigo seria que houve um avivamento num certo lugar, no Inverno anterior, o qual havia declinado durante a primavera; também que oração intensa para que o Espírito Santo descesse de novo sobre eles, havia sido o prato do dia e que assim este avivamento havia sido poderosamente restabelecido. Este artigo levou-me a chorar intensamente, rebentando em lágrimas incontroláveis. Na altura estava hospedado em casa do Sr. Gale e levei aquele artigo a ele. Estava de tal forma possesso de bondade divina ao haver visto e lido como a resposta a oração era tão segura, que Deus também nos ouviria sobre Sua obra ali em Adams que estaria morrendo também, que percorri toda a casa chorando em voz alta em busca do pastor para lhe revelar aquilo que se passava em meu coração relacionado com aquele artigo. Chorava como uma criança. Mas o Sr. Gale surpreendeu-se com aquele meu sentir, com a minha expressa confiança de que era possível e desejável que Deus de facto reavivasse Sua obra. O artigo, porém, não obteve o mesmo efeito nele que obteve em mim.

Logo na seguinte reunião de oração dos jovens propus a todos os presentes que deveríamos conseguir um concerto mútuo de oração a favor dum reavivamento da Sua Obra ali em Adams, que nos dedicássemos à oração específica de manhã, ao nascer do sol, ao meio-dia e ao fim da tarde, em nossos quartos e que assim continuássemos durante uma semana inteira. Quando nos tornássemos a reunir, deveríamos ver que progressos específicos havíamos obtido. Nenhuns outros meios estavam a ser usados para um avivamento da Obra de Deus. Mas mesmo assim, o espírito de oração foi intensamente derramado sobre nós e antes que terminasse aquela semana, muitos deles, quando entravam em seus quartos para orar, quase perdiam as suas forças sob aquela enorme responsabilidade de pedir o derramar do Espírito, de tal modo que muitos deles nem sequer se conseguiam ajoelhar nem permanecer de pé, senão prostrados com gemidos e em oração. Era uma coisa natural e assim se orava pelo derramamento do Espírito Santo sobre nós especificamente, pela obra de Deus. O espírito foi derramado mesmo antes de haver terminado a semana; muito interesse foi provocado na vila pela religião, tanto quanto era possível obter sob aquelas circunstâncias.

E aqui, dói-me dizer, um grande erro foi cometido, ou melhor, um pecado cometido por membros mais velhos da igreja que por fim resultou num grandioso mal. Conforme vim a saber mais tarde, muitos membros antigos resistiriam a esta nova movimentação dos jovens convertidos em prol da obra de Deus. Estavam com ciúmes e inveja. Eles não sabiam como se relacionar com todo aquele movimento puro e são, pois pensavam e admitiam que os jovens estavam a sair da estribeiras e que estariam a envolver-se com o que não deviam ao começarem a exortar os membros da igreja mais velhos com intrepidez e urgência. Este espírito de resistência por fim entristeceu o Espírito Santo de tal forma que alienações e divisionismos começaram a brotar entre os próprios membros antigos da igreja, o que resultou em ira contra as pessoas que resistiram este ultimo movimento de reavivamento. Os jovens, porém, mantiveram-se muito bem e erectos, tanto quanto pude ver, permaneceram universalmente puros, constituindo-se mesmo crentes firmes e eficientes.

Naquela primavera de 1822, pus-me sob tutela do Presbitério da igreja como candidato ao ministério do evangelho. Muitos pastores instigaram-me a ir-me inscrever em Princeton, para estudar teologia, mas recusei ir. Quando me perguntaram porquê, retorqui que os meus recursos financeiros não o permitiam. Era verdade, mas logo me disseram que me pagariam todas as despesas. Mesmo assim declinei. Logo me questionaram sobre as minhas verdadeiras razões daquela recusa em ir-me para Princeton. Assim pude confrontá-los abertamente que temia estar sob a mesma influencia a que eles sujeitaram suas almas; que de coração cria que eles não haviam obtido a melhor formação para uma obra tão importante como seria a obra de Deus; que eles não eram aqueles ministros da Sua palavra como o próprio Cristo o exigia deles e que temia vir a passar-se o mesmo comigo se fosse para lá. Falei-lhes com muitas reservas, pois não conseguia conter a honestidade dos meus motivos. Foi assim que resolveram então, colocar-me sob tutela do meu próprio pastor para me administrar a formação desejada, o qual me abriu as portas para toda a sua biblioteca de livros, assegurando que daria a atenção necessária à minha formação teológica até ao fim.

Mas os meus estudos, no tocante ao meu instrutor, nunca deixaram de ser transfigurados em controvérsia aberta. Ele mantinha invariavelmente aquela velha escola do pecado original que se manteria com as pessoas até à morte e que toda a constituição humana era moralmente depravada. Também mantinha seus pontos de vista intocáveis sobre a questão dos humanos nunca conseguirem ter como igualar todas as exigências do evangelho de Cristo, isto é, de crer, de poder conseguir fazer e cumprir tudo aquilo que Deus de nós pede para cumprir; que enquanto não estivessem livres de lidar com os pecados do dia a dia, nunca estariam nem livres nem achados de poder efectivar o bem neles mesmos; que Deus condenava os homens pela sua natureza depravada a qual nunca tinham como transformar e que por isso e pelas suas transgressões seriam réus daquele juízo eterno. Também permanecia na sua convicção de que as influências do Espírito eram meramente físicas, actuando apenas na alma sentimental dos homens; que os homens seriam agentes meramente passivos na intervenção da sua regeneração; resumindo, delas depreendia toda a sua vivência em conformidade e a partir daquele pressuposto que a natureza humana era deficiente e depravada por efeito e natureza e nunca por aprendizagem voluntária. Eu não teria como encaixar certas doutrinas que me pareciam absurdas demais, não conseguia aceitar os seus conceitos sobre a regeneração, sobre a reconciliação, arrependimento, fé, a escravatura da vontade do homem, nem mesmo as doutrinas com consequência directa nestas visões. Ele era tenaz e inabalável nos seus muitos pontos de vista, por vezes revelando-se muito impaciente porque eu não aceitava desde logo os seus pontos de vista sem questioná-los primeiro. O seu argumento principal era que, se questionasse as coisas relacionadas com as doutrinas, tornar-me-ia num infiel a Deus. Munia-se sempre de argumentos desses, de como alguns estudantes se haviam desviado por causa de questões do género, como se tal fosse uma recompensa natural de não aceitar a Profissão de Fé como ponto final de todas as coisas, como também o ensino dos doutorados de Princeton que muito haviam estudado, entrando pela via da discussão de coisas sobre as quais eu, mas não ele, achava essenciais desvendar como verdadeiras ou não. Também argumentou muito efusivamente que, se não abraçasse a verdade &endash; e a verdade para ele seria apenas tudo aquilo de que nem ele próprio tinha a certeza &endash; eu nunca seria um ministro da palavra.

Eu estava na inteira disposição de crer em tudo aquilo que ele se esforçava por me transmitir, caso essas coisas viessem expressas na Bíblia. Havia muitas discussões doutrinárias entre nós dois, que se protelavam por largos períodos. Não poucas vezes saia das suas aulas desanimado e inteiramente comprimido num calabouço. Dizia para mim mesmo em estado de grande depressão: "eu não posso abraçar estas doutrinas! Não posso crer que é isto que a Bíblia me ensina". Cheguei ao ponto, por vezes, de querer abandonar tudo ali mesmo, de pensar que já não devia seguir o ministério com o qual me comprometera. Havia, porém, um único membro daquela igreja com quem eu me abria, relatando-lhe tudo aquilo que se passava na profundeza do meu coração. O presbítero H--, um homem muito piedoso, homem de intensa oração. Ele havia sido educado sob os pontos de vista de Princeton, mantendo a todo o custo as mais altas patentes do Calvinismo sem mácula. Mesmo assim, durante as longas conversas que mantínhamos, ele ficou satisfeito com o reconhecimento de que eu estaria certo e com a razão do meu lado. Ele chamava por mim para irmos orar juntos muitas vezes, pedindo a Deus que fosse fortalecido nos meus estudos e nas minhas muitas discussões com Sr. Gale, assegurando mesmo que, acontecesse o que acontecesse, nada me iria impedir de ser um bom ministro da Palavra de Deus.

Muitas vezes ele aparecia para estar comigo, prestando-me sério apoio quando me encontrava deprimido depois de haver estado no escritório do Sr. Gale, nas aulas. Nessas alturas ia comigo para o meu quarto e não poucas vezes permanecia lá até muito tarde clamando a Deus por luz e fortalecimento, também por fé em aceitar a Sua vontade perfeita. Ele vivia a mais de três milhas da nossa vila (cerca de quatro quilómetros e meio), mas mesmo assim permanecia ao meu lado até cerca das onze da noite com alguma frequência. Depois partia a pé para casa. Que velhinho querido era ele! Tenho muitas razões para crer que ele orou por mim diariamente sem cessar, até ao dia da sua morte. Tempos depois de ter entrado no ministério, havendo e chovendo oposição contra a minha maneira de expor o evangelho, com alguma frequência encontrava-me com o Presbítero H--; ele dizia-me: "A minha alma está tão sobrecarregada pelo seu ministério, que intercedo por si de dia e de noite. Mas tenho a plena certeza que Deus o ajudará. Continue sempre, irmão Finney, persista e resista que Deus lhe vai conceder a almejada redenção desses problemas!"

Uma certa tarde, eu e Sr. Gale estivemos a conversar durante um longo período de tempo sobre a questão da reconciliação enquanto se aproximava a hora de atender a uma certa conferência. Persistimos na nossa conversa até havermos entrado no local da conferência. Como chegamos muito cedo, havendo muito poucas pessoas lá presentes ainda, continuamos a falar sobre o assunto. As pessoas foram entrando e escutando com grande atenção toda aquela discussão. Discutíamos seriamente, mas tudo levado a cabo num sério espírito cristão, presumo. As pessoas tornaram-se cada vez mais interessadas naquilo que discutíamos e quando nos propusemos mutuamente parar com aquilo, para que a conferencia pudesse começar, pediram ali mesmo que continuássemos e que esta discussão fosse a conferencia. Assim procedemos, conforme nos havia sido solicitado, o que, creio haver trazido grande edificação a todos os presentes ali, quiçá permanente edificação.

Depois de haver estudado aquela teologia durante muitos meses a fio, o estado de saúde do Sr. Gale foi de tal ordem mau que nem podia pregar. Um ministro Universalista chegou para assumir a chefia daquele púlpito, semeando as suas doutrinas corrosivas por tudo quanto era canto. A parte impenitente da congregação parecia que gostava de o ouvir discursar, mas por fim, alguns ficaram tão interessados nos discursos do homem que acabaram por se desviar das sãs doutrinas Bíblicas por inteiro. Foi nesse estado de coisas que o Sr. Gale, depois de haver conferenciado com o concelho da igreja, transmitiu o desejo que eu falasse à congregação sobre aquele assunto do Universalismo, caso eu pudesse contestar aqueles argumentos do pregador Universalista. O seu grande esforço era, como era óbvio, mostrar a todos como o salário do pecado nunca poderia ser castigo sem fim. Discursava contra a ideia dum castigo eterno como se fosse muito injusto, cruel e absurdo. Dizia que Deus era amor e como podia um Deus de amor fazer tal coisa?

Levantei-me uma noite numa das conferências de culto, dizendo o seguinte: "as doutrinas deste senhor Universalista são completamente novas para mim e creio mesmo que estas não serão muito Bíblicas. Mas irei debruçar-me sobre o assunto um pouco mais e caso eu não consiga provar que este homem está errado, eu próprio me comprometo a tornar-me um Universalista". De seguida apontei um dia da semana seguinte para fornecer uma palestra de oposição àqueles pontos de vista doutrinários. Todos os crentes ficaram desde logo alarmados com a minha audácia em haver dito publicamente que me tornaria Universalista caso não conseguisse provar que as suas doutrinas eram erradas. No entanto, eu achava que podia contestar tudo aquilo. Chegando a noite da palestra agendada, a sala estava repleta. Peguei primeiro na questão da justiça do castigo eterno, discursando sobre aquele assunto nessa noite e passando para a noite seguinte. Havia uma satisfação geral nos que me ouviam, pois o caso foi defendido. O próprio Universalista estava plenamente convicto que todo o povo achava que ele estaria na posse do erro, indo pregar para outra freguesia logo de seguida. O Sr. Gale, em conjunto com sua escola de teologia, mantinha no entanto que o castigo recebido por Cristo na Cruz seria o tal castigo do pecado dos Seus eleitos, um sofrimento que eles mereciam mas que Cristo sofreu por eles. Daí que dizia que era baseado nessa justiça que todos os eleitos se baseavam na sua salvação. Dizia que Cristo cumprira assim todos os requisitos da lei de Deus com aquele sacrifício. O Universalista baseou sua defesa então nesse ponto de vista, assumindo claramente que essa era a questão relacionada com a reconciliação. A única coisa que ele necessitava de provar mais, seria que essa reconciliação havia sido feita para todos universalmente, mostrando assim que todos os homens na face de toda a terra estariam salvos baseados nesse sacrifício universalista. Porque o total da dívida do homem para com Deus, havia sido paga em Cristo, o Universalismo estaria fortemente baseado nesse princípio precário de justiça feita. Dizia que Deus não podia ser justo caso não aceitasse esse castigo na cruz por todos os homens.

Pude ver, tal como toda a congregação, que o Universalista havia posto o Sr. Gale entre a espada e a parede. Por esse caminho seria muito fácil mesmo, provar que a justiça havia sido feita pelo sacrifício de Cristo para todos os homens sem excepção. Caso a natureza da reconciliação fosse aquela que o Sr. Gale defendia, O Universalismo era apenas uma consequente verdade. Tudo isto levou as pessoas a espalharem-se para longe dos átrios da verdade, saindo da igreja. O Sr. Gale pediu-me que continuasse com as minhas palestras, mas, já que, em conformidade com a sua opinião própria, a questão da justiça da lei já haviam sido debatidas, que eu apresentasse os meus argumentos baseados na cor do "evangelho de Cristo", isto é, sob seus pontos de vista. Logo lhe respondi: "Sr. Gale, não poderei fazer tal coisa sem contradizer os seus pontos de vista sobre esta questão, anulando-as mesmo por completo! Através das suas doutrinas sobre a reconciliação, este homem não pode vir a ser contestado sequer. Se a visão que o senhor tem sobre a reconciliação de Cristo estiver certa, as pessoas logo veriam que o Universalismo era adequado, pois é muito fácil a partir dos seus pontos de vista provar que o Universalismo está certo, que Cristo pagou a dívida de todos os homens na face da terra para sempre. Se você não me autorizar a dar uma varrida nos seus próprios pontos de vista sobre o assunto da reconciliação, não terei como contestar esta doutrina de erro". "Então", retorquiu, "como não posso permitir que as coisas continuem conforme estão, faço questão que se sinta em total liberdade de lhe dar a devida resposta à sua maneira. Se necessário for vir a pregar sobre a reconciliação, sentir-me-ei no dever de o contestar pessoalmente depois". "Está bem, aceito", respondi; "permita-me apenas e tão só expor os meus pontos de vista sobre o assunto, pois tenho como contestar o Universalista e depois o senhor pode encetar o rumo que achar que deve".

Marquei então uma conferência para contestar o argumento do Universalismo baseando-me no evangelho. Falei duas vezes sobre a reconciliação. Consegui mostrar através das Escrituras que a reconciliação não era baseada na justiça do castigo da lei sobre o pecado, pagando assim a divida dos pecadores na sua totalidade para sempre, tal como o Universalista em questão defendia. Desvendei que o sacrifício de Cristo apenas abria as portas para a possibilidade de salvação para todos os homens, mas que nunca obrigava Deus a conceder salvação a qualquer ímpio. Disse que nunca seria verdade que Cristo havia sido justiçado em nosso lugar, que em nenhum lugar da Bíblia se podia chegar a uma conclusão desse tipo. Provei que o contrário seria verdade &endash; que Cristo simplesmente morreu para remover o grande abismo e fosso que havia entre Deus e homem a nível de sacrifício do perdão apenas, para que assim fosse possível dar uma amnistia naquela culpa dos verdadeiros culpados, desde que se arrependessem para que assim obtivessem acesso à fé que os levasse a aceitar uma salvação crendo em Cristo; que em vez de satisfazer aquela justiça que apenas os pecadores mereciam, o sacrifício de Cristo na Cruz do Calvário abria caminho a uma redenção e que Cristo apenas aplicou seu testemunho a uma justiça meramente humana. Cristo apenas tornara possível aquele perdão que forneceria honra à lei, perdoando todo e qualquer um que se arrependesse e convertesse de facto pela fé n'Ele. Mantive a posição de que Cristo fez apenas tudo aquilo que eram as condições para o perdão, o que não anulava a culpa do pecado efectivo pagando por quem ainda não tivesse como deixar o pecado de lado.

Isto respondeu ao universalista e parou desde logo com toda a azáfama em redor desde assunto. Mas aquilo que mais marcou estas palestras, foi a plena conversão daquela moça por quem eu havia intercedido diante de Deus em total agonia de espírito: havendo então obtido resposta, aqui se seguiu o resultado. Tudo aquilo deixou o Sr. Gale aturdido, pois detectou a bênção de Deus sobre todos os meus pontos de vista. Conversando com ele mais tarde, pude verificar que ele estava admirado que as coisas que eu pregava sobre a reconciliação pudessem vir a ser subscritas por Deus, havendo sido instrumentos abençoados no seu uso para a conversão da jovem em questão.

Foi assim que, depois de muitas discussões com Sr. Gale, o presbitério foi finalmente chamado a reunir para eu ser examinado com aquela finalidade de entrar no ministério. Se chegassem a consenso, teria a licença de poder pregar o evangelho. Isto foi em Março de 1824. Estava preparado para uma dura batalha num exame daquelas pessoas. Mas, admirado, descobri que estavam muito receptivos e transformados. Era manifesta e clara aquela bênção que se evidenciava nas minhas muitas conversas com pessoas, nas minhas palestras, nas conferências sobre a oração. Por causa desse sucesso, penso, eles aproximaram-se de mim para me examinar com cautelas acrescidas para não entrarem em controvérsia comigo. No decurso dos exames e interrogatórios, evitaram questionar-me sobre aqueles assuntos que sabiam iriam colidir com os meus pontos de vista. Depois de me haverem examinado, votaram unanimemente em licenciar-me para o ministério. Mas, do nada, um deles perguntou-me se eu aceitava a Confissão de Fé da igreja Presbiteriana. Eu, até ali, não a havia examinado em pormenor, isto é, o Catecismo e grande parte dos seus credos. Isso tudo não havia sido parte integrante dos meus estudos obrigatórios. Respondi calculadamente que a aceitava como substância doutrinária, tanto quanto eu a entendia. Mas respondi de tal modo que estava claramente implícito que não pretendia ter algo a haver com aqueles credos, mesmo não os conhecendo bem. Respondi, no entanto, na conformidade dos conhecimentos que tinhas deles. Eles haviam lido aqueles sermões que escrevi, sobre textos específicos que me haviam sido consignados pelo Presbitério para tais fins. Passaram por todos os sermões minuciosamente. Foi aqui neste concelho do Presbitério que eu pela primeira vez vi o Rev. Daniel Nash, que era geralmente mais conhecido por Papai Nash. Ele era membro efectivo daquele presbitério. Uma grande multidão assentou-se a ouvir a minha examinação. Entrei um pouco tarde e vi um homem a pregar para aquela multidão, como supus ser o caso. Ele olhou para mim quando entrei e ao mesmo tempo olhava para os que passavam à sua frente. Mas assim que me sentei para ouvir, descobri que ele estava orando. Surpreendeu-me vê-lo a olhar para as pessoas ali presentes, como se estivesse falando com elas. Mas estava a orar a Deus. Claro está que nem parecia ser uma oração, mas encontrava-se então muito desviado e num estado lastimável de apostasia. Este era o Papai Nash, de quem terei muitas coisas para relatar mais adiante, no decurso desta escrita. No dia do Senhor seguinte, o Rev. Gale aproximou-se de mim e disse-me: "Sr. Finney, vou sentir uma enorme vergonha se alguém vier a saber que você estudou teologia sob minha tutela". Era típico dele, tal como já vinha afirmando vezes sem conta. Nada respondi, baixei a minha cabeça e emudeci, saindo dali logo de seguida muito desanimado e envolto numa espessa nuvem de desencorajamento por causa daquela observação. Mais tarde ele veio a ver as coisas de forma muito distinta, pois dava graças a Deus que nunca havia conseguido influenciar-me com seus pontos de vista, que não havia exercido qualquer mudança nas coisas que eu pensava. Ele confessou abertamente mais tarde, o seu erro na maneira como lidou comigo naqueles anos. Chegou mesmo a dizer que, caso houvesse dado ouvidos àquilo que ele me transmitiu como verdade, teria arruinado todo o meu ministério.

O facto de maior realce foi que toda a sua educação tanto religiosa como ministerial, foi inteiramente deficiente. Ele embebeu uma série de opiniões defeituosas, tanto teológicas como práticas, as quais sempre operaram contra ele e serviam como um colete de forças que lhe prendiam todos os seus movimentos. Ele pouco ou mesmo nada teria conseguido alcançar, caso tivesse persistido sob o domínio de todos os seus princípios pretensiosos e alucinados. Usei a sua biblioteca pessoal, buscando ali tudo sobre a teologia que lá poderia achar com a finalidade expressa de apenas passar o exame de aprovação para o ministério. Mas quanto mais examinava aqueles livros, tanto mais angustiado me sentia. Eu estava muito familiarizado com aquela perspicácia dos Juízes de direito, tal como vinham nos nossos livros. Mas quando penetrei em sua biblioteca, nada ali teria como preencher a minha insatisfação. Tenho aquela certeza que não era por eu estar em desacordo com a Verdade, mas sim de acordo com ela. Eu estava insatisfeito porque todas aquelas posições teológicas eram precárias e carentes de saúde genuína, como também eram precariamente sustentadas. Muitas vezes me pareciam querer dizer uma coisa e provar outra. Continham nelas pouca lógica racional de verdade espiritual e nunca conseguiam provar nada argumentativamente. Um dia disse ao Sr. Gale o seguinte: "Se não houver nada melhor em favor da verdade na sua biblioteca, que sustentem as doutrinas da nossa igreja, corro o risco de me tornar ou traidor à Causa de Cristo ou um infiel à igreja". E sempre acreditei que, caso O Senhor não me houvesse iluminado para ver de facto a falência daqueles argumentos sem nexo, também de experimentar a verdade em forma vivente a partir das Escrituras; caso não se houvesse manifestado e revelado a mim pessoalmente para que não tivesse como duvidar da essência da verdade cristã, haveria de ser forçado a tornar-me um sólido infiel.

Não sendo nenhum teólogo, de início toda a minha atitude racional era de total oposição e de negação às suas obsessões doutrinárias. Até me opunha com muita frequência às suas posições positivas. Eu dizia-lhe: "as suas posições não estão comprovadas; carecem de prova concreta &endash; há que provar tudo o que diz. Não posso aceitar que as doutrinas sejam algo que não possam vir a ser debatidas e confrontadas perante a luz da Bíblia". Penso hoje da mesma forma que pensava então. Os seus argumentos de persuasão contínua seriam que eu não me podia opor ao pensamento de grandes e bons homens que, em sua opinião, depois de tantos pareceres, estudos e deliberações, haviam chegado a tais conclusões finais sobre aquelas matérias; que também não me competia a mim, como jovem, havendo-me instruído em direito apenas, não sabendo nada de teologia, opor-me às posições daquelas pessoas que ele muito admirava. Considerava-os grandes teólogos e tinha-os em alta estima &endash; daí que as suas opiniões pudessem ser achadas na sua biblioteca particular. Ele persistiu que, caso eu quisesse ver a minha inteligência satisfeita sobre aquelas grandes questões através de argumentação, tornar-me-ia num infiel. Ele não admitia contestação e argumento sobre as questões da fé e da igreja e que todas aquelas posições da igreja deveriam merecer a maior ovação por um jovem como eu e que eu deveria era submeter o meu juízo das coisas ao daqueles homens que ele considerava, de superior sabedoria. Eu detectei um forçar daquelas coisas sobre minha pessoa e nunca pude aceitar doutrina sob pretexto autoritário &endash; não como autoridade incontestável. Como dogmas, não podia aceitar tais doutrinas. Descobri que me partia e dividia na sinceridade e honestidade caso as aceitasse, o que me privaria de verdade íntima. Muitas vezes saia da presença do Sr. Gale e ia para meu quarto afundar-me nos meus joelhos com a minha Bíblia na mão e perto do meu peito. De facto, lia a minha Bíblia de joelhos, especialmente naqueles tempos turvados pelo conflito, clamando e suplicando ao Próprio que abrisse as palavras que se encontravam em Seu próprio coração em relação a tudo aquilo, sobre todas aquelas questões. Não tinha outra saída possível mas que não fosse em direcção à Bíblia, às movimentações filosóficas da minha própria mente, tal com se revelavam e manifestariam à minha consciência pessoal. Todas as minhas posições e visões começaram a tomar um certo rumo desejável, pois creio que foi a partir destes conflitos com a doutrina que tive e consegui como chegar àquelas verdades do evangelho que salvam. Lentamente foram-se formatando e formando as bases sobre a verdade, o que gradualmente se constituiriam como posições sábias, mas de inteira oposição a quem me ensinava.

Aquelas posições de teologia não apenas incrementavam uma grande debilidade real à obra do Sr. Gale, como também lhe davam um misterioso abalo e ajuda em direcção ao erro doutrinário. Era pouco usado por Deus em Sua Obra Santa porque era empurrado para o erro. Ele profetizou muito agnósticamente contra todas a minhas posições e todo o meu futuro. Assegurou-me que Deus nunca chegaria com Sua bênção e aval pessoal sobre o meu Labor. E caso eu discursasse aos muitos homens conforme lhe transmiti vir a ser o meu desejo real, que logo todos se ofenderiam e que a congregação sob minha tutela iria perecer e desvanecer em apostasia. Também me dizia que teria de me habituar a escrever todos os meus sermões, caso eu quisesse ter como deixar de ser interessante nos meus muitos discursos, não havendo outra maneira de vir a satisfazer pessoas inteligentes e não só. Logo dizia que a minha forma de estar no púlpito, pressionado por minhas posições, dariam em descalabro total, que iriam seguramente dividir qualquer congregação, em lugar de a habilitar. Descobri que tudo aquilo sucedeu mas em sentido inverso de todos os seus variadíssimos impropérios e prognósticos doutrinais. Eu pessoalmente achava que o meu dever como ministro de Cristo era divulgar a verdade de todos os factos, principalmente no que toca a questões do foro prático e pessoal. Nunca me admirei sequer que a minha nova forma, para ele, de trazer o evangelho, chocavam com a sua maneira de ver as coisas reais, de ver o evangelho. Através de toda aquela educação, ele nunca poderia haver tomado outra posição. Ele refutava apenas devido às suas ideias doutrinárias muito precárias, as quais obtinham resultados quase nulos. Pela graça de Deus, persisti nas minhas posições, as quais Deus pessoalmente avalizou mais tarde, dando Sua bênção, contrariamente a tudo aquilo que o Sr. Gale predisse a meu respeito. Aqueles resultados sobre os quais ele se admirava, no futuro da minha obra, tal como aquela visível bênção de Deus derramada tão graciosamente em favor daquela verdade, primeiramente alienaram dele a totalidade da sua tranquilidade e esperança como crente, o que mais tarde contribuiu para vir a ser um ministro real e efectivo de Cristo, como irei relatar em seu devido tempo e lugar. Havia uma deficiente carência grave nos seus erros doutrinários, a qual eu sempre calculei como sendo um fundamento prioritário na avaliação e na própria pregação da palavra também. Não se pode avaliar nem tão pouco avalizar a Palavra de Deus sem o próprio Deus em pessoa, sob um Baptismo do Seu Espírito real e efectivo. Se ele era convertido até ali, naquela altura, falhou na unção. É essa unção que traz efeitos devastadores sobre o pecado a partir do púlpito e na sociedade. 

Quando Cristo comissionou os Seus Apóstolos para irem pregar pelo mundo fora, comandou que permanecessem em Jerusalém até que houvessem sido revestidos do poder da santidade. Este poder, como todos sabemos, foi o Espírito Santo derramado sobre todos no dia de Pentecostes. Esta era a qualificação final, sem a qual ninguém deveria passar para o tentar obter aquele sucesso de qualquer ministério. Nunca supus ali e então, como também agora ainda estou plenamente convicto de tal coisa, que este poder tivesse apenas a haver com meros milagres. O poder de operar através dos milagres, tal como aquele sinal específico de línguas, atestaram como simples sinais de ocasião para o efeito do cumprimento da sua missão na altura. O Verdadeiro Baptismo do qual falo e não abdico, é antes de mais purificador, provendo uma iluminação sobre a realidade da verdade e não só, enchendo-os da mais pura fé, amor sem igual pelos perdidos, paz sem fim e poder. Tal conseguiu que umas simples palavras deles, caso fossem inspiradas, se tornassem como setas e espadas agudas nos corações dos inimigos de Deus, rápidas e estrondosamente convincentes, tal como uma espada verdadeira de dois gumes. Esta é uma das poucas qualificações necessárias para se obter sucesso em qualquer ministério. Estou deveras surpreendido que mesmo nos dias de hoje, se dê pouco ênfase a esta qualificação ministerial de ir pregar Cristo a um mundo adverso e pecaminoso sem se ser vencedor de facto. Sem aquele sussurrar ensinador do Espírito Santo, nenhum homem pode ser um virtuoso ministro de Cristo. O facto é que, se alguém não tem como pregar o evangelho como uma experiência pessoal e personalizada de facto, baseada na própria pessoa de Cristo Emanuel, apresentar a religião às pessoas como coisa consciente e real, as suas especulações e muitas teorias sobre a verdade dos factos de nada adiantarão. Isso nunca será pregar o evangelho sequer.

Mais tarde o Sr. Gale confessou que nunca se havia convertido de facto: que ele era um homem honesto na defesa dos seus muitos pontos de vista, não ponho em dúvida. Mas confesso que ele era muito deficiente na sua educação teológica, tanto filosoficamente como na sua efectividade pratica dali resultante. E tanto quanto me pude aperceber do seu estado espiritual real, ele não manifestava nele mesmo aquela paz que apenas o evangelho tem como conceder desde que verdadeiro e real, nem nele nem no efectuar do seu ministério. Não suponha o meu caro leitor que não amava o Sr. Gale e que não o tinha na maior respeitabilidade e estima. Ambas as coisas eu tinha para com ele, tanto amor como respeito imensurável. Permanecemos com uma amizade muito firmada, tanto quando sei, até ao dia da sua morte. Falo destas coisas apenas para as ter como me relacionar e contrapor às suas visões doutrinárias, porque creio de todo o meu coração, que será aquilo que se passa com muitos ministros por este mundo fora &endash; ainda hoje. Creio que na sua maioria, a visão daqueles que se intitulam de ministros de Cristo, carecem desta unção como válida e selada, sejam quais forem as suas ideias teológicas. A sua degradação deve-se maioritariamente à falta desta unção específica. É uma carência radical no seu ministério, de facto. Não se trata de carência de cerimónias, nem digo isto como forma de censura, pois há muito que esta questão se encontra devidamente estabelecida em minha mente. São coisas sobre as quais tive ocasião de me lamentar profundamente muitas vezes. Quanto mais experiente e conhecedor me tornava através do ministério, aqui e além-mar, tanto mais persuadido fiquei que, no meio de toda a disciplina, educação, treino e estudo, existe um enorme fosso na questão prática no apresentar do evangelho na sua melhor forma, da maneira mais efectiva, adaptando os meios para alcançar todos os fins. Mas muito especialmente, na sua clara falta de poder específico.

Já falei extensivamente sobre as muitas controvérsias dilatadas com o Sr. Gale, o meu professor. Depois de reflectir um pouco mais, penso ser apropriado manifestar algo mais sobre estas controvérsias e discussões. Eu não poderia nunca aceitar ficção teológica como mandamento supremo. Quero aqui relatar mais pormenorizadamente as suas posições relativas, nas quais ele muito insistia. Em primeiro lugar, ele afirmaria que aquela transgressão inicial de Adão se impunha sobre toda a raça descendente; que mereceriam o inferno apenas por serem descendência de Adão. Em segundo lugar, concebia que recebemos de Adão através da natureza, o pecado imputado, por essa razão, como hereditariedade, todos seriam moralmente corruptos de natureza, tanto física como espiritualmente, de maneira tal que nunca conseguiríamos qualquer coisa que chegasse a ser aceitável diante de Deus e que necessariamente havíamos de entrar em pecado continuadamente, pois a nossa natureza era transgressora da lei natural de Deus em todos os aspectos da nossa vida. Nestes pontos ele insistia, afirmando que devido a herança, pecávamos sem poder cessar. Que seria devido a esta natureza que todos os homens estariam sentenciados à condenação eterna. Em terceiro lugar, ele detinha que éramos considerados sempre culpados e condenáveis com eterna devastação pela devida transgressão da lei de Deus impossível de se poder evitar. O descendente de Adão estaria condenado a pecar. Não podendo evitar ser pecador, o homem estaria sobre esta tripla multiforme condenação eterna.

A segunda sequência da ramificação natural destes pontos de vista admiráveis, seria que, os pecados dos eleitos, tanto pelo pecado original como o actual, isto é, a culpa de ser descendente de Adão e aquela culpa da sua natureza incriminatória actual, tal como as culpas das transgressões personalizadas, seriam naturalmente imputados sobre Cristo. Por essa razão maioritariamente, o despacho divino alcançou a sua sentença corporal de culpabilidade n'Ele, sendo Cristo tratado de acordo com aquilo que eles mereciam factualmente; que o Pai fez descansar a Sua ira sobre o corpo do Filho, atribuindo-Lhe a culpa daqueles que eram Lhe eleitos. Daí se deduzia uma inculpabilidade pessoal através daquele castigo sobre Cristo em pessoa. As pessoas seriam dessa forma, salvas através duma justiça execucionista, mas noutra pessoa.

A terceira ramificação dos seus pontos de vista teológicos, era: primeiro, que aquela obediência de Cristo à Lei de Deus era literalmente imputada aos seus eleitos e, mesmo não obedecendo seriam tidos como sempre obedientes. Em segundo lugar, que a Sua morte lhes seria naturalmente imputada, por haverem sido escolhidos. Assim se daria como consequente a Sua morte na cruz, pois n'Ele estaria pregado a culpabilidade do pecado de Adão em nós, a culpa da nossa natureza corrupta, como também a culpa das nossas transgressões. Em terceiro lugar, que pela Sua segurança, todos aqueles que Lhe eram eleitos seriam tidos como havido cumprido e obedecido a Lei de Deus e seriam tidos como se já houvessem sofrido a penalidade da transgressão de Adão, da sua e da perversidade da sua natureza, havendo a sua penalidade consequente sido já aplicada em Cristo. Dessa forma, eles haviam sofrido em Cristo essa acumulação de ira, que assegurava justiça divina na pessoa de Cristo, mesmo que não pudessem vir a ser tornados obedientes. Ele obedeceu no lugar deles, o que redundaria na sua obediência aparentemente, mas acupulada na de Cristo por eles. Deus veria os eleitos sob Cristo, mesmo que não fossem capazes de obedecer. Depois da lei haver sido preenchida nos seus requisitos normais e formalizados, os eleitos eram convidados a arrependerem-se como se nada deles fosse exigido, nem o arrependimento real. Em quarto lugar, havendo sido formalizada justiça divina, todos os eleitos seriam absolvidos sob essa tutela legisladora, sendo tal acto o tal acto de infinita graça para sempre. Daí se presumia e deduzia que todos os eleitos estavam salvaguardados pela satisfação divina baseado nesse princípios analógicos de justiça.

Segue-se então, que todos os eleitos e apenas estes, poderiam salvaguardar a sua absolvição contínua na tutela desse acto justo de Cristo. Não precisavam de invocar e pedir perdão e seria mesmo um erro doutrinário fazê-lo. Esta inerência gratuita, seria pessoal para todos os eleitos. Mas segue-se irreversivelmente debaixo daquilo que a Profissão de Fé afirmava, que os eleitos eram considerados salvos por inerência e analogia, pois a justiça divina e seus requisitos universais haviam sido preenchidos de justiça sem fim. Eu não podia senão discordar destas asserções, sobre estes pontos focalizados. Eu não poderia imputar toda esta questão como uma imputação analógica, pois me parecia mais ficção teológica. Tivemos constantes discussões em virtude destes múltiplos pontos de vista. Não me recordo de ter ouvido o Sr. Gale insistir que a Profissão de Fé imprimia estes princípios sobre seus ouvintes, mas lembro-me de comprovar que afirmava tudo isto quando a estudei minuciosamente. Eu não havia tomado consciência que as regras do Presbitério exigiam como pergunta chave aos candidatos ao ministério, se aceitavam a Profissão de Fé como formulário de Fé e conduta. Mas assim que revi e estudei todos os seus princípios ambíguos e absurdos, não hesitei nem por um momento em depor contra estes mesmos princípios em todas as circunstâncias mais adequadas para a finalidade. Passei a repudiá-los abertamente, expondo-os em público. Onde e quando achava que pecadores se pervertiam sob pretexto destes dogmas, que se escondiam por de trás deles, não hesitava nem por um momento em demoli-los até às cinzas, no melhor da minha capacidade de então.

Eu não preenchia estes requisitos das posições do Sr. Gale, mas falava deles com ele na mesma linguagem com que se dirigia a mim, isto é, quando eu as apresentava a ele em forma controversa. Ele não as impunha como coisas racionais, ou como algo que se pudesse discutir abertamente. Ele insistia como defesa que a minha irreverente discussão sobre essas questões, tornar-me-iam num infiel apóstata. Mas eu justificava que a nossa razão nos havia sido embutida por alguma razão especial, especialmente para nos vir a justificar nos próprios caminhos de Deus; e que nada de tal ficção pudesse  ser imputado a quem viesse ser vivente de facto e conviver com verdade real. É claro que haveria muitos mais pontos de vista que mereciam a nossa discussão, sobre as quais sempre nos opusemos em forma controversa. Mas por muito que discutíssemos, toda a teima iria embocar nestes mesmos assuntos, inevitavelmente, pois eram as suas bases de podridão. Se o homem tinha uma natureza pecaminosa, então concluía-se que a regeneração teria de vir a ser uma transformação dessa mesma natureza. Se essa natureza era pecadora, a influência do Espírito Santo que a fosse regenerar havia que ser real e factual, não apenas de aceitação ficcionada e moral. Se o homem tiver essa natureza irregular e pecaminosa, não havia adaptação possível dela ao evangelho como forma de transformar a sua natureza, pois a fé é firmeza, é firme e consequentemente não haveria qualquer ligação entre meios, fins e finalidade.

Eram estas as posições que o Irmão Gale defendia com veemência. Por consequência, ele não esperava que as pessoas se convertessem mesmo que pregasse a favor do arrependimento, pois não apontava as suas palavras naquela direcção em nenhum dos sermões que dele pude ouvir até então. Mas era um pregador muito hábil mesmo se avaliarmos pelos requisitos que se impunham a um pregador debaixo daqueles jugos e circunstâncias. O facto transparecia desde logo que estes dogmas serviam como um colete de forças sobre ele, por muito hábil que fosse como pregador. Se pregasse o arrependimento, ele teria que providenciar uma explicação de como lhes seria impossível arrependerem-se; Se os incitava à fé, logo lhes explicava como lhes seria impossível crer por eles até que a sua natureza houvesse sido mudada, pois qualquer fé lhes estaria vedada; era assim que a ortodoxia impunha uma perfeita armadilha e rede aos seus ouvintes, naquela questão do evangelho. Eu nunca pude aceitar tais coisas e procedimentos. Eu não entenderia assim a minha Bíblia; nem tinha como ver tal coisa ensinada na Bíblia sequer.

Assim que li a Profissão de Fé, olhando para as passagens que eram usadas para corroborar aquelas peculiares e seculares posições, eu envergonhei-me delas em demasia, bastante e de forma absoluta. Perdi todo o respeito por aquele documento que impunha sobre a totalidade da raça humana tais dogmas caricatos, sustidos na sua grande maioria por passagens que lhes eram inteiramente irrelevantes e desconectados. Num caso de tribunal, nunca tais passagens poderiam ser mantidas como defesa dum caso, quanto mais dum grande caso como o é o evangelho de Cristo. Mas todo o presbitério considerava aqueles pontos de vista conclusivos e sagrados, irredutíveis mesmo. Todos tinham um mesmo pensamento, deliberavam numa só voz controversa. Mais tarde todos estes mudaram as suas opiniões; cederam e Sr. Gale transformou-se e nunca mais ouvi ninguém do presbitério defender aqueles pontos de vista irracionais e sem qualquer nexo.

 

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