A VERDADE DO EVANGELHO
TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Charles Finney

 

AULA 34

A PERSEVERANÇA DOS SANTOS

 

Discutindo esta matéria, o meu objetivo será, Observar os diferentes tipos de certeza.

Todas as coisas devem ser certas sob algum tipo de certeza. Existe um modo pelo qual todas as coisas e eventos já foram, são, ou ainda serão. Todos os eventos que já ocorreram ou que ainda ocorrerão, foram e são tão certos seja antes ou depois de sua ocorrência. Para uma mente onisciente, a real certeza destes eventos deve e obrigatoriamente foi conhecida, realmente, antes e depois de sua ocorrência. Todos os eventos futuros, por exemplo, ocorrerão de algum modo, e não há qualquer real incerteza neste fato, e nem pode haver qualquer real incerteza sobre o conhecimento de Deus a respeito destes eventos. Eles são tão reais antes de acontecerem, quanto sempre o serão, e são tão verdadeiramente e perfeitamente conhecidos por Deus como certos, como no futuro o serão. Eles são tão presentes para a Divina presciência, como sempre o serão. Sejam quais forem as contingências e incertezas que possam existir a respeito deles em certos aspectos, contudo, quanto a fatos, todos os eventos são assegurados, e não há qualquer incerteza real quanto a quaisquer eventos que já ocorreram ou que ainda ocorrerão. Isto deveria ser igualmente verdadeiro, se Deus ou qualquer outro ser conhecessem como estes eventos seriam ou não. A presciência de Deus não os tornam certos. Ele sabe que são certos por simplesmente o serem. A onisciência é o conhecimento necessário de todos os objetos do conhecimento, do passado, do presente e do futuro. Porém a onisciência não cria objetos de conhecimento. Ela não torna os eventos como certos, porém somente conhece como eles certamente serão, por serem certos, e não somente porque o serão, mas como e quando serão. Todas as livres ações dos agentes morais são tão certas antes mesmo de ocorrerem, como sempre o serão. E Deus deve obrigatoriamente e realmente conhecer como estas serão antes que ocorram, assim como o faz depois de terem ocorrido.

1. O primeiro tipo de certeza que destacarei é o da absoluta necessidade; isto é, uma certeza que não depende de nenhuma condição, seja qual for. Este é o mais alto tipo de certeza. Ela pertence ao absoluto e ao infinito; à existência do espaço, da duração, e da existência de Deus. E em resumo, a todas as coisas que existem por si mesmas, infinitas, e imutáveis em um sentido natural; isto é, para tudo o que é infinito e não implica em voluntariedade. Os atributos naturais de Deus são certos por este tipo de eternidade, porém os seus atributos morais, que consistem em um estado voluntário do pensamento, embora infinito e eterno, não pertence a esta classe.

2. Um segundo tipo de certeza é o da necessidade física, porém condicional. A esta classe pertencem todos os eventos que ocorrem sob a operação da lei física. Estes pertencem de modo próprio à cadeia de causa e efeito. Existindo a causa, o efeito deve obrigatoriamente existir. O evento é dado como certo e necessário pela existência de sua causa. A sua certeza é condicionada sobre a sua causa. Existindo a causa, o evento deve-se seguir através de uma lei de necessidade, e os eventos não ocorreriam, é claro, se as suas causas não existissem. As causas, sendo aquilo que são, os eventos também serão o que devem ser. Esta classe de eventos é tão certa como a classe anterior. Falando de um deles como certo em um sentido mais alto do que outro, não se pretende, que uma classe seja mais certa do que outra, mas somente que a certeza é de um tipo diferente. Por exemplo, a primeira classe é assegurada por um tipo de certeza que não depende e jamais dependeu da vontade de qualquer ser, seja qual for. Jamais existiu qualquer possibilidade que estas coisas fossem de um modo diferente do que são. Isto, veremos, deve ser verdadeiro em termos de espaço e duração, e da existência e dos atributos naturais de Deus.

Porém todas as demais coisas exceto aquelas que existem por si mesmas, aquelas que são naturalmente imutáveis e eternas, são certas somente na medida em que são direta ou indiretamente condicionadas sobre a vontade de algum ser. Por exemplo, todos os eventos do universo físico foram assegurados pela criação, e o estabelecimento e a manutenção destas leis físicas e necessárias, foram a causa destes eventos. Estes são, portanto, certos por meio de uma necessidade condicionada, embora física. Não existe nenhuma liberdade ou liberalidade nos próprios eventos; eles necessariamente ocorrem, quando as suas causas ou condições são supridas.

3. Um terceiro tipo de certeza é a certeza moral. Eu a chamo de certeza moral, não porque a classe de eventos que a ela pertencem sejam menos certos do que os anteriores, mas porque consistem em, ou são condicionados sobre as livres ações dos agentes morais. Esta classe não ocorre sob a operação de uma lei de necessidade, embora ocorram com certeza. Não existe qualquer contingência previsível da certeza absoluta, no sentido da certeza absoluta conforme definida anteriormente. A segunda classe de certezas são contingentes somente no que diz respeito às suas causas. Sob a condição de que as causas sejam certas, os eventos que delas dependem são certos, sem ou além de qualquer contingência. Esta terceira classe, embora não seja menos certa do que as duas anteriores, são contudo contingentes no mais alto sentido em que qualquer coisa pode ser contingente. Elas ocorrem sob a operação do livre arbítrio, e consequentemente não existe sequer uma delas que não possa por possibilidade natural falhar, ou ser de outro modo como é ou de fato o será. Chamo este tipo de certeza de certeza moral, como oposta à certeza física, isto é, não é a certeza de uma necessidade em algum sentido; é somente uma mera certeza, ou uma certeza voluntária, uma certeza livre, uma certeza que deve, por uma possibilidade natural em cada caso, não ser de modo algum uma certeza. Mas, pelo contrário, o oposto deve em cada exemplo ser certo através de uma possibilidade natural. Deus, em cada caso, conhece como serão estes eventos, de modo tão real como se eles ocorressem por necessidade; porém a sua presciên-cia não afeta a sua certeza, seja de um modo ou de outro. Eles podem em cada caso, através da possibilidade natural, não ser quaisquer certezas, ou serem o oposto daquilo que são ou daquilo que serão, a despeito da presciência de Deus. Deus as conhece como sendo certas, não porque o seu conhecimento tenha qualquer influência para necessitá-las, mas por serem certas em si mesmas. E por serem certas em si mesmas é que serão aquilo que Deus sabe que serão. A esta classe de eventos pertencem todas as livres ações dos agentes morais. Todos os eventos devem ser delineados, finalmente, conforme a direção do livre arbítrio de Deus; isto é, as livres ações de Deus deram origem ao universo, com todas as leis e ações físicas, de modo que todos os eventos físicos são de algum modo devedores, e resultantes das ações do livre arbítrio dEle. Porém os eventos físicos ocorrem, contudo, sob a imediata operação da lei da necessidade. A classe ora sob consideração, não depende da operação da lei física como sua causa. Elas são causadas pelo próprio livre agente. Elas encontram as ocasiões de suas ocorrências, nos eventos providenciais pelos quais os agentes morais estão rodeados, e portanto devem estar indiretamente orientados, e de modo mais ou menos remoto em relação à Divina vontade.

Em relação a esta classe de eventos, eu ainda observaria que não são apenas contingenciais neste sentido, mas que devem em cada caso por uma possibilidade natural, ser diferentes daquilo que são. Porém deve existir, humanamente falando, o supremo perigo de se mostrarem diferentes daquilo que realmente serão; isto é, pode haver o perigo, e este ser um perigo supremo, no sentido único de poder existir de fato o perigo de que algum evento se mostre de modo diferente daquele que deveria ser. Se todos os eventos forem realmente certos, não existirá, de fato, nenhum perigo de que qualquer evento se mostre diferente daquilo que deveria ser, no sentido de que não se tem a certeza de como será. Porém uma vez que todos os atos praticados sob a condição de livre arbítrio, e todos os eventos dependentes destes atos são contingentes, no mais alto sentido no qual qualquer evento pode na natureza das coisas ser contingente; e no mesmo sentido de que, humanamente falando, devem existir milhões de chances contra uma de que, eles de fato serão mudados em um modo diferente àquele que se esperava que fossem.

Sobre esta classe de eventos dizemos que existe o perigo deles ocorrerem ou não.

Novamente, eu observo no tocante a esta classe de eventos, que Deus é capaz de vê-los previamente sendo estes como um complicado labirinto, e as ocasiões de falhas são tão complicadas, que nada além da mais alta vigilância e diligente utilização dos meios por parte dEle, e por nós, pode assegurar a ocorrência do evento. Está incluído neste tópico tudo o que é revelado na Bíblia Sagrada no tocante à perseverança e à salvação final dos santos, e tudo aquilo que é verdadeiro. Deus sabe todas as coisas sobre as livres ações e sobre o destino dos santos, e que devem estar enquadrados nesta classe. Estes eventos são, contudo, certos, e são conhecidos para Deus como certezas. Nenhum deles irá, de fato, se transformar em algo diferente daquilo que Ele prevê que serão; e contudo, por uma possibilidade natural, provavelmente todos eles se manifestarão de modo diferente. E então deve ser que, no único sentido em que o perigo referente a algo pode ser predito, resida o supremo perigo que alguns deles ou mesmo todos, mudarão a sua direção tornando-se algo diferente daquilo que de fato serão. Estes eventos são contingenciais sob certo sentido, pois os meios podem falhar durante o seu uso, ou algum evento dentre a cadeia completa de influências conectada à influência delas, pode se apresentar de maneira distinta. Por isso o final ou o evento resultante, poderia ou deveria ser de outra maneira diferente e de fato será.

Eles são, contudo, certos, cada um deles, juntamente com todas as influências sobre as quais depende cada ato livre. Nada é incerto no que diz respeito a se estes fatos ocorrerão ou não; embora nenhum ato de liberdade, ou evento que dependa de um ato de liberdade seja certo, no sentido de que não possa ser de outro modo através das possibilidades naturais. E nem no sentido de que possivelmente não haja um grande perigo, ou, humanamente falando, a probabilidade de que seja de outro modo, e isto, humanamente falando, não devem haver muitas chances de que seja de outro modo.

Quando digo que qualquer evento deva ser, pela possibilidade natural, diferente daquilo que realmente será, quero dizer que o livre agente tem, a cada situação, o poder natural para escolher outro modo diferente do que tem escolhido ou de fato escolherá.

Como uma ilustração tanto da contingência como da certeza desta classe de eventos, imagine um homem pronto para tentar atravessar o lago Erie sobre um cabo de aço, ou que tente passar sob as quedas d'água do Niágara em uma simples canoa. O resultado de qualquer uma destas tentativas é realmente conhecido. Deus deve obrigatoriamente conhecer como será este resultado. Porém este resultado, embora certo, está condicionado a uma multidão de fatores; e em cada um destes, o agente possui o poder natural de fazer de um modo diferente daquele que no final realmente o fará. Para assegurar a sua travessia segura, cada decisão deve ser precisamente correta e tudo precisa ocorrer conforme o previsto; porém, de acordo com as possibilidades naturais, ao menos um dentre eles virá a ser diferente daquilo que deveria ser.

Uma vez mais, este caso deve ser tal que o perigo de falha seja tão grande, que nada seria capaz de garantir uma travessia segura, porém uma revelação de Deus que inspirasse confiança; que o empreendedor deveria de fato cruzar o lago, ou se aventurar seguramente sob as cataratas. Digo que esta revelação de Deus deveria ser indispensável para a travessia segura dele. Suponhamos que tenha sido revelado a um homem, sob certas circunstâncias, que ele de fato chegaria seguro; porém que a revelação fosse acompanhada com uma garantia enfática, de que o resultado final dependeria do mais diligente, cauteloso, e perseverante uso dos meios adequados para isto, e que qualquer falha nisto, colocaria a perder o final. Tanto a revelação da certeza do sucesso, como a advertência enfática, deveriam ser indispensáveis para assegurar o final. Agora, se o empreendedor tiver confiança na promessa de sucesso, terá também confiança na advertência, de modo a não negligenciar os meios necessários, e a sua confiança em ambos deve assegurar o resultado desejado. Mas consideremos um exemplo das Escrituras:

"Havendo já muito que se não comia, então, Paulo, pondo-se em pé no meio deles, disse: Fora, na verdade, razoável, ó varões, ter-me ouvido a mim e não partir de Creta, e assim evitariam este incômodo e esta perdição. Mas, agora, vos admoesto a que tenhais bom ânimo, porque não se perderá a vida de nenhum de vós, mas somente o navio. Porque, esta mesma noite, o anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, esteve comigo, dizendo: Paulo, não temas! Importa que sejas apresentado a César, e eis que Deus te deu todos quantos navegam contigo. Portanto, ó varões, tende bom ânimo! Porque creio em Deus que há de acontecer assim como a mim me foi dito. É, contudo, necessário irmos dar numa ilha. Quando chegou a décima quarta noite, sendo impelidos de uma e outra banda no mar Adriático, lá pela meia-noite, suspeitaram os marinheiros que estavam próximos de alguma terra. E, lançando o prumo, acharam vinte braças; passando um pouco mais adiante, tornando a lançar o prumo, acharam quinze braças. E, temendo ir dar em alguns rochedos, lançaram da popa quatro âncoras, desejando que viesse o dia. Procurando, porém, os marinheiros fugir do navio e tendo já deitado o batei ao mar, como que querendo lançar as âncoras pela proa, disse Paulo ao centurião e aos soldados: Se estes não ficarem no navio, não podereis salvar-vos" (At 27.21-31). Neste exemplo, o final era previamente conhecido, e foi expressamente predito inicialmente, sem a expressão de qualquer condição, embora eles tivessem perfeitamente compreendido que o final deveria ser assegurado pelos meios. Paulo os informou posteriormente que se negligenciassem os meios, o final seria um fracasso. Tanto os meios como o final, de fato estavam certos, e por esta razão Deus expressamente revelou a certeza do resultado, e posteriormente por uma revelação subsequente, assegurou a necessidade da utilização dos meios necessários. Houve incerteza, no sentido de que as coisas deveriam, de fato, encaminhar-se de um modo diferente daquele em que ocorreram, e contudo ainda havia a garantia no sentido de que, pela possibilidade natural, tanto os meios como o final deveriam fracassar.

Observo novamente, no que diz respeito aos eventos que são moralmente certos que se estes fossem grandemente desejados, não seriam os que estariam em maior perigo de fracasso, mas em menor perigo. Porque quanto mais forte for a confiança em que estes ocorrerão, melhor será compreendido, que são certos somente através de uma certeza moral; isto é, será entendido que o evento estará condicionado sobre os próprios atos do livre agente.

Novamente, é geralmente admitido que a esperança seja uma condição de sucesso em qualquer empreendimento. Se isto é assim, o asseguramento do sucesso, sobre as condições apropriadas, não pode tender a derrotar o final.

Observo novamente que existe uma diferença entre o perigo real, e o conhecimento ou o senso de perigo. Deve existir um perigo tão real e tão grande, quando não temos nem o sentimento e nem o conhecimento deste perigo, assim como existe quando o temos. E por outro lado, quando temos o mais alto e mais acurado senso de perigo, é possível que na realidade não exista de fato um perigo real. E de fato, como já foi dito, não existe nunca o perigo, no sentido de que algo será de fato transformado em uma situação diferente daquela que Deus previu que será.

Novamente, o fato de que algo seja revelado como garantido, não o torna garantido; isto é, a revelação não torna o fato garantido. Seria certo, se esta certeza não tivesse sido revelada, a menos que o fosse em casos onde a revelação fosse a condição ou os meios da certeza revelada. Um evento pode realmente ser garantido, e deve ser revelado como garantido, e contudo humanamente falando, podem existir milhões de chances de que este não venha a ser como foi revelado; isto é, até onde a previsão humana é capaz de alcançar, todas as possibilidades devem ser contrárias.

 

A declaração do que não é pretendido pela perseverança dos santos, conforme o meu entendimento da doutrina.

1. Não se pretende que algum pecador seja salvo sem que cumpra as condições da salvação; isto é, sem a regeneração, e perseverando na obediência até o final de sua vida, em um sentido que será explicado daqui por diante.

2. Não se pretende que santos, ou que as pessoas realmente regeneradas, não possam cair da graça, e estarem finalmente perdidas, por uma possibilidade natural. Deve obrigatoriamente ser possível, que todos os agentes morais tenham a possibilidade de pecar, em qualquer ocasião. Santos na terra e seres celestiais no céu, podem, por uma possibilidade natural apostatar e cair, tornando-se perdidos. Se isto não fosse naturalmente possível, não haveria qualquer virtude na perseverança.

3. Não se pretende que os verdadeiros santos não estejam em perigo de apostasia, e supremo dano. Pois, humanamente falando, deve haver, e sem dúvida há, o maior perigo em relação a muitos, senão em relação a todos, no sentido único em que o perigo é previsível em qualquer que seja o evento, e que apostatarão, e finalmente se perderão.

4. Não se pretende que não existam, humanamente falando, milhares de chances contra uma, de que alguns ou muitos deles cairão e se perderão. Isto pode ser, como dizemos, altamente provável; isto é, somente deve ser provável no sentido no qual a probabilidade exista, de que qualquer evento possa ser diferente daquilo em que se tornará.

5. Não se pretende que a salvação dos santos seja possível, exceto sob a condição de grande vigilância, esforço e perseverança por parte deles, e de grande graça por parte de Deus.

6. Não se pretende que a salvação dos santos seja assegurada, em algum sentido mais alto do que todas as suas futuras livres ações. O resultado está condicionado sobre as suas livres ações, podendo o final ser mais certo do que os seus meios ou condições. Se a salvação dos santos, no final, é assegurada, esta somente é certa sob a condição de sua perseverança em obediência se mantiver firme até o final de sua vida. Cada ato de sua obediência é livre e contingente, no mais alto sentido no qual a contingência pode ser predita em relação a algo. Isto também é certo, pelo mais alto tipo de incerteza que pode ser declarado quanto a qualquer evento. Portanto existe e deve existir um perigo real de que santos não alcancem a suprema salvação, assim como existe o perigo de qualquer evento ser finalmente diferente daquilo que foi planejado.

Porém aqui deve-se distintamente lembrar que, como já foi dito, existe uma diferença entre uma certeza e o conhecimento desta. Uma coisa é para um evento ser realmente certo, e outra é termos o conhecimento de que este seja certo.

Realmente, todas as coisas são igualmente certas, porém muitas não nos são reveladas como certas. Aquelas que são reveladas como certas, não o são realmente mais do que outras, porém com respeito a coisas futuras, que não nos são de algum modo reveladas, não sabemos como se provarão ser. O fato de algo nos ser revelado como certo, não faz com que isto seja certo, e nem é tampouco menos certo porque nos é revelado como certo, a menos que a revelação tenha a tendência de assegurar esta certeza. Suponhamos que a salvação final de todos os santos seja assegurada, e que esta certeza nos seja revelada; a menos que esta revelação seja o meio de assegurar esta salvação, eles estarão tanto em real perigo de sofrer um fracasso em termos da vida eterna, quanto estariam se nenhuma revelação tivesse sido feita. Apesar da certeza da salvação deles, e do fato desta certeza lhes ser revelada, existe de modo real tanta certeza quanto a incerteza, embora de modo desconhecido, a respeito de cada evento futuro, como no que diz respeito a este tema. Todos os eventos são certos, com algum tipo de certeza, e assim o seriam se algum ser conhecesse sobre a certeza ou não destes. Então todos os eventos, consistindo em, ou dependendo dos atos de livre arbítrio dos livres agentes, são na realidade tão incertos quanto qualquer evento pode ser, e este fato é verdadeiro, seja esta certeza revelada ou não. A salvação dos santos não é, então, assegurada por qualquer certeza maior que pertença a todos os futuros eventos que consistam em, ou que sejam condicionados sobre os livres atos de livre-arbítrio, embora esta certeza possa nos ser revelada em alguns casos e não em outros.

7. E óbvio que a salvação dos santos não é certa por qualquer grau de certeza, que dê a possibilidade de esperança de impunidade em uma carreira de pecados. Por que aqueles que deverão ser salvos o serão sob a condição de perseverarem na fé e na obediência até o final de sua vida.

Além do mais, a salvação deles não é mais certa do que a sua futura livre obediência o é. A certeza da futura livre obediência, e o conhecimento desta certeza não pode ser a razão para não obedecer, ou dela obter o encorajamento para viver no pecado. Então o conhecimento da certeza moral e condicional de nossa salvação, não pode mais dar fundamento para a esperança da impunidade em uma vida de pecados.

8. A salvação dos santos não é assegurada por qualquer grau de certeza, que faça de sua salvação ou de seu dano algo mais impossível, do que faz impossível quaisquer atos futuros de obediência ou de pecado. Consequentemente, não é assegurado neste sentido, oferecer o menor encorajamento para a esperança da salvação em pecado; pois isto seria o mesmo que dar certeza a um lavrador que cultivasse algo sob o diligente, preciso e perseverante uso dos meios apropriados, que teria quanto à sua colheita os mesmos resultados se negligenciasse os meios corretos. Se o agricultor possuísse o conhecimento da certeza nestas condições, não seria tentação negligenciar os meios; porém, por outro lado, este conhecimento funcionaria como um poderoso incentivo ao uso requerido deles. Então o conhecimento da certeza da salvação dos santos também não pode, com a condição que possui, ser para estes uma tentação a viver em pecado; mas, pelo contrário, este conhecimento deve atuar como um poderoso incentivo ao exercício da confiança em Deus, e da perseverança na santidade até o final. Deste modo, nem a certeza de que os meios necessários serão utilizados, poderão causar qualquer encorajamento à negligência do uso destes no caso da salvação do homem, mais do que a certeza que um lavrador terá ao cultivar o seu campo e se terá uma boa colheita o encorajaria a negligenciar o trabalho de semear. O conhecimento seguro tanto dos meios como do final, com um entendimento da natureza moral da certeza, não possui nenhuma tendência natural de gerar a presunção ou a negligência; mas, pelo contrário, gerará o uso diligente, alegre e confiante dos meios necessários.

 

Mostrando o que a doutrina em questão pretende.

Pretende-se que todos aqueles que em qualquer época sejam verdadeiros santos de Deus, sejam preservados por Sua graça e Espírito através da fé, no sentido de que de modo subsequente à regeneração, a obediência seja a sua regra, e a desobediência somente a exceção. E sendo isto assim mantido, certamente serão salvos com uma salvação eterna.

Antes que eu proceda à prova direta da doutrina, algumas observações se tornam desejáveis.

1. Eu gostaria de observar que senti grande hesitação em formar e expressar as minhas opiniões sobre este assunto, mais do que sobre qualquer outro assunto em teologia. Já li tudo aquilo que pude encontrar sobre ambos os lados desta questão, encontrando-me uniformemente insatisfeito com os argumentos apresentados por ambos os lados. Após repetidas discussões completas, senti-me mais capacitado a formar e expressar formalmente a minha opinião sobre este tema, do que anteriormente. Durante alguns períodos em meu ministério, estive praticamente a ponto de concluir que esta doutrina não era verdadeira. Porém jamais me encontrei capacitado a dar uma razão satisfatória para a rejeição da doutrina. Fatos aparentes que vieram a estar sob minha observação, algumas vezes me conduziram seriamente a duvidar do efeito desta doutrina; porém não posso ver, e quanto mais o examino, mais inapto me encontro em termos de enxergar, como uma negação desta doutrina poderia ser apresentada de acordo com as Escrituras.

Devo fornecer a substância daquilo que considero como a prova oferecida pelas Escrituras, a respeito desta doutrina, e pedir ao leitor que construa para si uma opinião através de um cuidadoso exame. Pode ser que aquilo que foi satisfatório para o meu pensamento, não o seja para o de outras pessoas. Que ninguém venha a crer nesta ou em qualquer outra doutrina por minha autoridade, mas "Examinai tudo. Retende o bem" (1 Ts 5.21).

2. Eu observo que o conteúdo desta doutrina não pode ser inferido a partir da natureza da regeneração. É verdade, como foi dito, e como mais adiante será mostrado, que a perseverança é um atributo ou uma característica do caráter cristão; porém isto não resulta necessariamente da natureza da regeneração, mas do Espírito de Cristo que habita no interior de cada cristão. Tem sido comum para esta classe de escritores e teólogos, que dão suporte àquilo que é chamado de "O Critério do Esquema da Regeneração", inferir a verdade desta doutrina a partir da natureza da mudança que constitui o novo nascimento. Nisto eles têm sido completamente consistentes. Se, como supõem, a regeneração consiste em uma mudança na constituição do pensamento, na implantação ou na infusão de um novo sabor, prazer ou apetite; se isto consistir ou implicar em uma mudança ou a um retrocesso de todas as ações voluntárias, e tal mudança visando o asseguramento demande uma ação voluntária; por que, então, seria inconsistente inferir a partir de tal mudança a perseverança dos santos, a menos que pudesse ser realizada para mostrar que tanto Deus, como Satanás, ou o pecado voluntário poderiam fazer retroceder a natureza. Se, na regeneração, a natureza é realmente transformada, se existe algum novo apetite ou sabor implantado, algum princípio sagrado implantado ou inspirado na constituição, por que, então deve-se seguir, que estes perseverarão através de uma lei física da nova natureza ou constituição. Não vejo como, neste caso, eles poderiam ser até mesmo os sujeitos de temporário tropeço, a menos que o novo apetite devesse temporariamente fracassar, como algumas vezes o nosso apetite o faz por comida. Porém se isto é assim, contudo, se a regeneração consiste ou implica em uma nova criação de algo que não é voluntário, a criação de uma nova natureza, ao invés de um novo caráter, eu admito que a perseverança deveria ser razoavelmente inferida a partir do fato de tal mudança. Porém uma vez que rejeito completamente esta teoria da regeneração, e mantenho que ela é totalmente uma mudança voluntária, não posso consistentemente inferir a salvação final dos santos a partir da natureza da mudança que ocorre na regeneração. Tenho me sentido golpeado pela inconsistência daqueles que dão suporte ao Critério do Esquema da Regeneração, e ainda contendem, não apenas por caírem de um estado regenerado, mas também que os regenerados podem cair e de fato caem em um estado de completa depravação, a cada ocasião em que pecam; que eles caem deste estado de regeneração física ou constitucional cada vez que cometem pecados, e tornam-se necessitados de serem regenerados ou novamente convertidos, caso contrário se perdem. Agora, isto não é reconciliável com a idéia da regeneração física.

3. Também não podemos inferir a perseverança dos santos, com qualquer injustiça, a partir de seu ser, na sua conversão, e que sejam trazidos a um estado de justificação. Parece que pela perseverança alguns querem dizer, não que os santos perseverem ou continuem em obediência, mas que serão salvos de qualquer modo, se perseverarem ou não na obediência. Foi contra esta idéia que homens como Wesley, Fletcher, e seus coadjutores lutaram tão valorosamente. Eles resistiram firmemente e de modo bem sucedido à doutrina da justificação perpétua, sob a condição de um único ato de fé, e mantiveram que os santos bem como os pecadores serão condenados sempre que pecarem. Eles também contenderam dizendo que não existe nenhum tipo de certeza de que todos os verdadeiros santos serão salvos. Uma vez que me esforcei para refutar a doutrina da justificação perpétua, condicionada sobre o primeiro ato de fé, é claro que não posso inferir a salvação final dos santos a partir da natureza da justificação.

Aqueles que defendem que o primeiro ato de fé introduz a alma a um novo relacionamento de uma natureza tal que, daí por diante, não seja mais condenado pela lei, faça o que quer que faça, deve simplesmente inferir a partir da natureza de tal justificação, que todos aqueles que exercitam a fé escaparão da penalidade da lei Divina. Porém temos visto que esta não é a natureza da justificação do Evangelho, e portanto não devemos inferir que todos os santos serão salvos, pelo mero fato de em uma determinada vez terem crido e sido justificados.

 

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