A VERDADE DO EVANGELHO
TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Charles Finney

 

AULA 18

TEORIAS FILOSÓFICAS DA REGENERAÇÃO

 

As principais teorias filosóficas da regeneração que têm sido defendidas são, segundo me constam, as seguintes:

1. O esquema do gosto.

2. O esquema da eficiência divina.

3. O esquema da suscetibilidade.

4. O esquema da persuasão moral divina.

 

1. O esquema do gosto

Essa teoria baseia-se na visão da filosofia mental, que considera o coração da mente idêntico à sensibilidade. A depravação moral, de acordo com essa escola, consiste num prazer, gosto ou anelo natural pelo pecado. Seus expoentes defendem a doutrina do pecado original como sendo de natureza ou constituição pecadora, como mostrei em minhas aulas sobre a depravação moral. O coração da mente, na estimativa dessa escola, não é idêntico à escolha ou intenção. Eles sustentam que não consiste num estado voluntário da mente, mas em algo que está por trás e controla a ação voluntária ou as ações da vontade. O coração mau, de acordo com os defensores da tese, consiste numa apetência ou gosto natural pelo pecado, e com isso, os apetites, paixões e inclinações da natureza humana em seu estado caído são em si pecaminosos. Eles ilustram a idéia do gosto, anelo ou apetite pecaminosos pelo pecado, fazendo referência ao anelo dos animais carnívoros por carne.

Uma mudança de coração, na visão dessa filosofia, tem de consistir numa mudança de constituição. Deve ser uma mudança física distinta de uma agência moral. É uma mudança feita pelo poder direto e físico do Espírito Santo na constituição da alma, mudando suas suscetibilidades, implantando ou criando um novo gosto, prazer, apetite, anelo ou amor pela santidade. É, como o expressam, a implantação de um novo princípio de santidade. É descrito como a criação de um novo gosto ou princípio, a infusão de um princípio santo etc. Este esquema, claro, defende e ensina que na regeneração o papel do homem é completamente passivo. Para essa escola, a regeneração é obra exclusiva do Espírito Santo, não tendo o indivíduo nenhuma agência no processo. É operação executada nele, talvez, enquanto dorme, num ajuste de sua desordem mental, enquanto está completamente passivo, ou, quem sabe, no momento em que está em flagrante rebelião contra Deus. A agência pela qual esta obra é feita, de acordo com os expoentes da tese, é soberana, irresistível e criativa. Eles sustentam que não há obviamente meio de regeneração, visto que é um ato direto da criação. Defendem a distinção já referida e examinada entre regeneração e conversão; que quando o Espírito Santo executou a operação soberana e implantou o novo princípio, então o sujeito torna-se ativo na conversão ou em se voltar para Deus.

Essa teoria defende, também, que a alma, em sua natureza, está em inimizade contra Deus, que o Evangelho não tem a tendência de regenerar ou convertê-la para Deus, mas, pelo contrário, que antes da regeneração realizada pela agência soberana e física do Espírito Santo, toda demonstração de Deus descrita no Evangelho só tende a inflamar e provocar essa inimizade natural.

Os expoentes dessa filosofia sustentam, ainda, que, quando o gosto, prazer ou anelo pecaminosos pelo pecado torna-se debilitado -- pois negam que seja completamente destruído nesta vida -- e enquanto a alma continua ligada ao corpo, ao mesmo tempo em que um santo gosto, prazer ou anelo é implantado ou infundido pelo Espírito Santo na constituição da alma, então -- e somente então -- o Evangelho tem a tendência de transformar ou converter o pecador do erro de seus caminhos.

Como já afirmei, o que os defensores da tese entendem como a filosofia da depravação moral constitui-se a base da filosofia da regeneração por eles defendida. Tal teoria presume o dogma do pecado original, conforme ensinado na Confissão Presbiteriana de Fé, e tenta harmonizar a filosofia da regeneração com a filosofia do pecado ou da depravação moral.

Sobre este esquema ou teoria da regeneração, comento:

 

(1) Que foi refutado suficientemente nas aulas sobre a depravação moral. Se, como então mostrei, a depravação moral é completamente voluntária e

consiste em egoísmo ou num estado voluntário da mente, essa filosofia da regeneração está, claro, desprovida de fundamento.

 

(2) Ficou claro nas aulas sobre a depravação moral que o pecado não é escolhido para benefício próprio -- que não há prazer, gosto ou anelo naturais pelo pecado -- que na escolha pecaminosa o pecado não é o fim ou o objeto escolhido, mas sim a auto-satisfação e que esta escolha é pecadora. Se é assim, então o todo da filosofia do esquema do gosto vem a ser totalmente infundado.

O gosto, prazer ou anelo de que fala essa filosofia, não é gosto, prazer ou anelo pelo pecado, mas por certas coisas e objetos, cuja satisfação é, até certo ponto e sob determinadas condições, legítima. Mas quando a vontade prefere a satisfação do gosto ou apetite ao invés de interesses mais elevados, essa escolha ou ato da vontade é pecado. O pecado nunca se encontra no apetite, mas no consentimento da vontade ao prazer ilegítimo.

 

(3) Essa filosofia confunde o apetite ou a tentação ao prazer ilegítimo com o pecado. Além disso, afirma que o pecado consiste principalmente, se não por completo, no que é só tentação.

 

(4) Lança, por conseguinte, a culpa da não-regeneração em Deus. Se o pecador é passivo e não tem agência nesse processo de regeneração; se esta consiste no que tal filosofia ensina e se realiza da forma como apresenta, é patente que só Deus é responsável pelo fato de o pecador não estar regenerado.

 

(5) Torna a santidade depois da regeneração fisicamente necessária, da mesma maneira que o pecado o era antes, e a perseverança também como fisicamente necessária, e o cair da graça uma impossibilidade natural. Neste caso, os exercícios e a vida santa são apenas a satisfação de um apetite natural implantado na regeneração.

Consideraremos a seguir o próximo esquema.

 

2. O esquema ou teoria da eficiência divina

Esse esquema está baseado, ou, antes, é apenas a realização de uma antiga filosofia paga que traz o mesmo nome. Essa antiga filosofia nega as segundas causas e ensina que as chamadas leis da natureza nada mais são do que o modo da operação divina. Nega que o Universo existiria sequer por um momento, se o apoio divino fosse retirado. Sustenta que o Universo só existe por um ato de criação presente e perpétuo. Nega que a matéria, ou a mente, tenha em si propriedade inerente que possa originar leis ou movimentos; que toda a ação, quer da matéria, quer da mente, é o resultado necessário da direta e irresistível eficiência divina; que isto não só é verdade quanto ao Universo natural, mas também o é de todos os exercícios e ações dos agentes morais em todos os mundos.

Os instigadores do esquema da eficiência divina da regeneração aplicam essa filosofia especialmente aos agentes morais. Eles sustentam que todos os exercícios e ações dos agentes morais em todos os mundos, quer tais exercícios sejam santos, quer pecadores, são produzidos por uma eficiência divina ou por um ato direto da Onipotência; que os atos santos e pecadores são efeitos semelhantes de uma causa irresistível, e que essa causa é o poder e a agência -- ou a eficiência -- de Deus.

Essa filosofia nega a depravação moral natural, ou o pecado original, e sustenta que o caráter moral pertence só aos exercícios ou às escolhas da vontade; que a regeneração não consiste na criação de novo gosto, prazer ou anelo, nem na implantação ou infusão de um novo princípio na alma, mas que consiste numa escolha conformada à lei de Deus, ou numa mudança do egoísmo para a benevolência desinteressada; que essa mudança é efetuada por ato direto do poder ou eficiência divina tão irresistível quanto qualquer ato criativo. Essa filosofia ensina que o caráter moral de todo agente moral, quer santo, quer pecador, é formado por uma agência tão direta, tão soberana e tão irresistível quanto a que primeiro deu existência ao Universo; que a verdadeira submissão a Deus implica no consentimento cordial da vontade para ter o caráter assim formado e, então, o indivíduo ser tratado de forma adequada para a glória de Deus.

A essa teoria faço as seguintes objeções:

 

(1) Tende a produzir e perpetuar um senso de injustiça divina. Criar um caráter mediante agência tão direta e irresistível quanto a da criação do próprio mundo e, depois, tratar os seres morais de acordo com esse caráter assim formado é completamente incoerente com todas as nossas idéias de justiça.

 

(2) Contradiz a consciência humana. Os defensores da teoria dizem que a consciência só apresenta nossas ações e nossos estados mentais, mas não sua causa. Mas eu nego e afirmo que a consciência não só nos apresenta nossas ações e nossos estados mentais, como também nos apresenta sua causa; apresenta especialmente o fato de que nós mesmos somos as causas soberanas e eficientes das escolhas e ações de nossa vontade -- estou tão consciente de originar minhas escolhas de maneira soberana quanto das escolhas em si. Não podemos senão afirmar para nós mesmos que somos as causas eficientes de nossas próprias escolhas e volições.

 

(3) A filosofia em questão apresenta realmente Deus como o único agente -- em qualquer sentido formal do termo -- no Universo. Se Deus produz os exercícios dos seres morais da forma apresentada por essa filosofia, então estes não são de fato mais agentes do que os planetas. Se seus exercícios são todos produzidos diretamente pelo poder de Deus, é ridículo chamá-los de agentes. O que em geral chamamos de seres morais e agentes morais, não o são mais do que os ventos e as ondas ou alguma outra substância ou coisa no Universo.

 

(4) Se essa teoria é verdadeira, nenhum ser senão Deus tem ou pode ter caráter moral. Nenhum outro ser é o autor das próprias ações.

 

(5) Essa teoria obriga seus defensores, juntamente com todos os outros fatalistas, a dar definição falsa e absurda da agência livre. A agência livre, de acordo com eles, consiste em fazer conforme desejamos, enquanto que sua teoria nega o poder de querer, exceto quando nossa vontade é determinada por Deus. Mas, como vimos em aulas anteriores, essa não é a verdadeira explicação do que seja liberdade. A liberdade de fazer minhas escolhas não é liberdade de qualquer jeito. A escolha está ligada aos seus seqüentes por uma lei da necessidade; e se um efeito segue minhas volições, tal efeito segue por necessidade e não livremente. Toda liberdade da vontade, como mostrei em aulas anteriores, tem de consistir no poder soberano de originar nossas próprias escolhas. Se estou impossibilitado de querer, estou impossibilitado de fazer qualquer coisa; é absurdo afirmar que um ser é agente moral ou agente livre, se não tem o poder de originar as próprias escolhas.

 

(6) Se essa teoria é verdadeira, todo o governo moral de Deus não é absolutamente distinto e superior ao governo físico. Negligencia e virtualmente nega a fundamental e importante distinção entre o poder moral e o poder físico, o governo moral e o governo físico. Todo o poder e todo o governo, segundo essa teoria, são físicos.

 

(7) Essa teoria, por conseguinte, implica a ilusão de todos os seres morais. Deus não só cria nossas volições, mas também cria a persuasão e afirmação de que somos responsáveis por elas.

 

3. O esquema da suscetibilidade

Essa teoria retrata que as influências do Espírito Santo são tanto morais quanto físicas; que Ele, por influência direta e física, estimula as suscetibilidades da alma e as prepara para serem afetadas pela verdade; que, em conseqüência disso, o Espírito Santo, ao apresentar a verdade, exerce influência moral ou persuasiva que induz à regeneração.

Essa filosofia sustenta a necessidade e o fato de uma influência física super-acrescentada à influência moral ou persuasiva do Espírito Santo como um sine qua non da regeneração. Admite e sustenta que a regeneração é efetuada somente por uma influência moral, mas que lhe é também indispensável um trabalho preparatório à sua eficiência em produzir a regeneração, algo realizado por agência direta e física do Espírito Santo sobre as suscetibilidades constitucionais da alma, para instigá-la, despertá-la e predispô-la a ser profunda e apropriadamente afetada pela verdade.

Os defensores desse esquema defendem que as descrições da Bíblia sobre o assunto da agência do Espírito Santo na regeneração são tão evidentes que proíbem a pressuposição de que sua influência é completamente moral ou persuasiva e indicam com clareza que também exerce agência física em preparar a mente para ser afetada apropriadamente pela verdade.

Em resposta a esse argumento, observo: Temo grandemente desacreditar a agência do Espírito Santo na obra de redimir o homem do pecado, e de jeito nenhum resistiria ou negaria -- ou poria em questão -- qualquer coisa ensinada ou implícita claramente na Bíblia sobre esse assunto. Admito e sustento que a regeneração é sempre induzida e efetuada pela agência pessoal do Espírito Santo. A questão colocada diante de nós se relaciona inteiramente ao modo, e não ao fato, da agência divina na regeneração. Que isto fique bem claro, pois tem sido comum aos teólogos da velha escola, logo que se questiona o dogma de uma regeneração física e de uma influência física na regeneração, bradirem e insistirem que se trata de pelagianismo, que é uma negação completa da influência divina e que tal questionamento propõe uma auto-regeneração, independente da influência divina. Sinto vergonha de tais afirmações desses teólogos cristãos e fico aflito por sua falta de imparcialidade. E preciso, porém, declarar, que, de forma distinta, até onde sei, os defensores da teoria agora sob consideração nunca manifestaram essa falta de imparcialidade para com os que puseram em questão esta parte de sua teoria relacionada a uma influência física.

Visto que os defensores dessa teoria admitem que a Bíblia ensina a regeneração como algo induzido por persuasão moral divina, o ponto de debate é simplesmente se a Bíblia também ensina que há uma influência física exercida pelo Espírito Santo em estimular as suscetibilidades naturais. Cuidaremos agora dos textos de prova que tais defensores apresentam. "Então, abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras" (Lc 24.45). Afirma-se que este texto ensina ou implica uma influência física na abertura do entendimento dos discípulos. Mas o que queremos dizer, na vida comum, por essa linguagem? Convém lembra que a linguagem deve ser entendida de acordo com o assunto do discurso. Aqui o assunto do discurso é a compreensão. Mas o que se quer dizer por abrir o entendimento? Pode considerar-se como uma abertura física de um departamento da constituição humana produzida ou forçada por algo externo? Tal linguagem, na vida comum, seria entendida querendo apenas significar que tal esclarecimento foi dado como a assegurar o entendimento correto das Escrituras. Todos o sabem e por que estaríamos supondo ou presumindo que se quer dizer mais alguma coisa? O contexto indica de forma evidente que esta era a coisa, a única coisa feita nesse caso. "E ele lhes disse: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse essas coisas e entrasse na sua glória? E, começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras. E disse-lhes: Assim está escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse e, ao terceiro dia, ressuscitasse dos mortos" (Lc 24.25-27,46). Destes versículos é óbvio que o Senhor lhes expôs as Escrituras, quando, sob a luz do que tinha acontecido e sob a luz daquela medida de iluminação divina que lhes fora dada, os discípulos entenderam as coisas que Ele lhes explicou. Não me parece que esta passagem garanta a conclusão de que houvera uma influência física exercida. Não afirma por certo tal acontecimento. "E uma certa mulher, chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que servia a Deus, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia" (At 16.14). Aqui encontra-se expressão semelhante àquela examinada há pouco. É dito que "o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta", quer dizer, o Senhor inclinou Lídia a estar atenta. Mas como? Segundo os defensores desse esquema, por uma influência física. Mas como isto se dá? Que coração é esse que deve ser forçado a abrir? E o que se quer dizer com a afirmação: "O Senhor lhe abriu o coração"? Tudo o que pode significar é que o Senhor assegurou a atenção dela ou a dispôs a ficar atenta e, assim, enquanto ela prestava atenção, a iluminou, de forma que veio a crer. Certamente não há aqui afirmação de uma influência física, nem, até onde posso ver, base justa para a conclusão de que tal influência foi exercida. Uma influência moral pode explicar suficientemente todo o fenômeno; todo texto que possa estar igualmente em harmonia com qualquer uma das duas teorias opostas não pode provar nada.

Há muitas passagens que retratam Deus a abrir os olhos espirituais e outras nas quais orações são oferecidas para que Deus o faça. Presume-se por essa teoria que tais passagens implicam fortemente uma influência física. Mas essa pressuposição me parece injustificável. Temos o hábito de usar tal linguagem e falar em abrir os olhos dos outros, quando não há a intenção de afirmar ou deixar implícita alguma influência física, senão nada mais do que uma influência moral ou persuasiva. Por que então servir-se de tal pressuposição aqui? A natureza do caso o exige? Sei que isto é defendido por aqueles que sustentam uma depravação moral constitucional. Mas já mostramos que esse dogma é falso e isso também admitem aqueles que sustentam a teoria sob consideração. Admitindo, então, que a constituição não é moralmente depravada, deveria ser inferido que qualquer mudança constitucional ou influência física são necessários para produzir regeneração? Não posso ver razão suficiente para acreditar ou afirmar que uma influência física é exigida ou exercida. O máximo que posso admitir livremente é que não podemos afirmar a impossibilidade de tal influência, nem a impossibilidade da necessidade de tal influência. A única pergunta que me resta é: A Bíblia claramente ensina ou implica tal influência? Até este ponto não pude ver que ensina ou implica. As passagens já citadas são algumas de todas em que se baseiam a defesa dessa teoria e, como a mesma resposta é suficiente para todas, não perderei tempo em citá-las e comentá-las.

Uma influência física foi deduzida do fato de que os pecadores são descritos como mortos em transgressões e pecados, como se estivessem dormindo. Mas todas essas descrições são apenas declaratórias de um estado moral, um estado de alienação voluntária de Deus. Se a morte e o sono são morais, por que supor que uma influência física é necessária para corrigir um mal moral? A verdade, quando instigada e incitada pelo Espírito Santo, não pode efetuar a mudança exigida?

Mas uma influência física também é deduzida do fato de que a verdade deixa uma impressão tão diferente numa ocasião quanto o deixa em outra. Resposta: Isto pode muito bem ser considerado pelo fato de que, às vezes, o Espírito Santo apresenta a verdade que a mente apreende e cujo poder sente, enquanto que em outro momento Ele não o faz.

Mas dizem que às vezes parece ter havido um trabalho preparatório executado por influência física que predispõe a mente a atender e ser afetada pela verdade. Resposta: Não há que duvidar que na maioria das vezes há um trabalho preparatório que predispõe a mente a atender e ser afetada pela verdade. Mas por que presumir que tal influência é física? Ocorrências providenciais podem ter tido muito a ver com isto. O Espírito Santo pode ter dirigido os pensamentos, comunicando instruções de vários modos, e preparado a mente para atender e obedecer. Quem garante a afirmação de que essa influência preparatória é física? Admito que pode ser, mas não posso ver que deva ou que haja boa base para a pressuposição de que seja.

 

4. O último esquema a ser examinado é o da teoria da persuasão moral divina.

Essa teoria ensina:

(1) Que a regeneração consiste numa mudança na intenção ou preferência última da mente, ou numa mudança do egoísmo para a benevolência desinteressada; e:

(2) Que essa mudança é induzida e efetuada por influência moral divina, isto é, que o Espírito Santo a efetua com, na ou pela verdade. Os defensores dessa teoria nomeiam o seguinte como principais razões em sua defesa.

(1) A Bíblia a afirma expressamente: "Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito" (Jo 3.5,6). "Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva e que permanece para sempre" (1 Pe 1.23). "Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como primícias das suas criaturas" (Tg 1.18). "Porque, ainda que tivésseis dez mil aios em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; porque eu, pelo evangelho, vos gerei em Jesus Cristo" (1 Co 4.15).

(2) Os homens são retratados a serem santificados na e pela verdade "Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade" (Jo 17.17). "Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado" (Jo 15.3).

(3) A natureza da regeneração decide sua filosofia na medida em que deve ser efetuada pela verdade, sendo dirigida ao coração pela inteligência. Os regenerados estão conscientes de ter sido influenciados pela verdade para se voltarem para Deus. Eles não estão cientes através de nenhuma outra influência, senão mediante a luz que ilumina a inteligência ou a verdade apresentada à mente.

Quando Deus afirma que regenera a alma na ou pela verdade, não temos direito de deduzir que Ele o faz de outro modo. Ele o afirma de fato; portanto, a Bíblia estabeleceu a filosofia da regeneração. Que Ele exerça outra influência moral ou outra influência de ensino e iluminação divinos é pura suposição.

 

Observações finais

1. Esse esquema honra o Espírito Santo sem desacreditar a verdade de Deus.

2. A regeneração pelo Espírito Santo mediante a verdade ilustra a sabedoria de Deus. Há filosofia profunda e divina na regeneração.

3. Essa teoria é de grande importância prática. Pois se os pecadores devem ser regenerados pela influência da verdade, pelo argumento e persuasão, então os ministros podem ver o que têm de fazer e como devem ser para cooperar com Deus (2 Co 6.1).

4. Assim os pecadores também podem ver que não devem esperar por uma regeneração ou influência física, mas têm de se submeter e aceitar a verdade, se desejam ser salvos.

5. Se essa teoria é verdadeira, é muito provável que os pecadores sejam regenerados, enquanto estão sentados sob o som do Evangelho, enquanto ouvem a exposição clara da verdade.

6. Os ministros devem ter toda consideração em buscar a atenção dos pecadores tão cordialmente e livremente quanto se esperassem converter si mesmos. Devem objetivar e esperar a regeneração dos pecadores no local e antes de estes saírem da casa de Deus.

7. Os pecadores não devem esperar que a onipotência física os regenere. A onipotência física de Deus não oferece a presunção de que todos os homens serão convertidos, pois a regeneração não é efetuada pelo poder físico. Deus não pode fazer o dever do pecador e regenerá-lo sem o exercício certo da própria agência do pecador.

8. Essa visão da regeneração mostra que a dependência do pecador ao Espírito Santo surge inteiramente da própria pertinácia voluntária, que considera sua culpa a maior de todas, pelo que mais perfeito é esse tipo de dependência.

9. A regeneração física, inclusive todas as suas modificações, é uma pedra de tropeço. A pecaminosidade original ou constitucional, a regeneração física e todos os seus dogmas relacionados e resultantes são igualmente subversivos ao Evangelho e repulsivos à inteligência humana, e devem ser postos de lado como relíquias da mais irracional e confusa filosofia.

 

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